quarta-feira, 10 de julho de 2013

Trilha, Atalho, Bivaque Forçado, 193 e Rapel

É isso mesmo, tudo num só rolê e com cachoeira também.

Paisagem que antes circunstanciava apenas minhas singelas imaginações foi realidade às 16h, num 30 de maio. Em circunstancia não muito favorável tínhamos a natureza aos nossos pés provando que pé de natureza não foi à toa, não é à toa... ( "...que raios de merda estou fazendo aqui?") Isso eu pensei, acredita? Agora, me diz se a situação não era desesperadora e perigosa.

"Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu"  
(trecho Em busca do Outro- Clarisse Lispector)

Após muito vara mato devido a um "bendito" atalho, que a convicção e a vontade de trilhar nos fez persistir mesmo sendo um puta vara mato.
Olhávamos barranco abaixo e traçávamos nossa trilha, fazia parte do atalho (na nossa mente, ou na minha) e não demorou muito para ouvirmos o barulho constante de água caindo, de água passando, direto, bem forte.
Assim seguimos nossa caminhada, ou melhor, nossa escalaminhada ou melhor descalaminhada de serra, se é que existe esse termo... exigindo muito esforço, exigindo muita atenção, estava muito perigoso, muito escorregadio.

Quando vimos que essa cachoeira não chegava já tínhamos decido quase 3 horas. Enfrentávamos obstáculos bem difíceis, qualquer deslize poderia ser fatal, qualquer acidente nos deixaria numa situação de extremo perrengue.

"Tentar subir tudo o que a gente desceu, ou seguir o barulho da água, para quem sabe seja a Cachoeira do Elefante?"
Por falar em cachoeira do elefante, era esse o nosso objetivo do bate-volta do dia.

Seguimos, aos trancos e barrancos, chegamos numa queda belíssima, paisagem de tirar o folego, cenário privilegiado que mero ser humano ao comparar-se torna-se nada, se é que é alguma coisa. se é que já foi alguma coisa. Destruir e transformar, ah, isso o humano faz, desenfreado, diga-se de passagem, odeio blocos, odeio muros... A natureza há de mostrar sua fúria.

Eu aproveitei, tava cheio de barro e formigas pelo corpo, me pus a agarrar a rocha e deixei a água massagear minhas costas, as pernas estavam bambas pois pisar em solo firme apos mais de 4 horas de barrancos deslizantes foi diferente.

"A do Elefante deve estar mais abaixo. Ei, achamos!!!"

Mas não, a cachoeira do elefante não estava logo abaixo, na verdade estávamos perdidos, alias, desorientados pois sabíamos que descendo uma hora ia dar na cachoeira do elefante. Que hora seria esta? Não dava pra saber nem imaginar, não tinha trilha, não dava para descer mais pela queda, a unica referencia era o mirante do km 86 da rodovia Mogi-Bertioga, víamos o mirante bem distante e um pouco abaixo de nossa linha reta (imaginaria).

Começava-se a escurecer, e a questão que pairava, o que fazer???

Continuamos a complicada descida, mas antes, tivemos que fazer uma escalada agarrando pela raízes no paredão natural, estávamos numa caminhava que parecia que não saia do lugar. O desespero já era evidente, estávamos sem saída, despreparados no meio da mata, totalmente despreparados, sem bussola, sem gps, o único mapa que tínhamos virou pó. Mais de uma hora depois voltamos às margens das sucessivas quedas, e já ao anoitecer Felipe decide ligar para os bombeiros pois ele notou que seu celular dava sinal, mesmo estando no meio da mata. Ficamos surpresos com o sinal da operadora Vivo que permitiu que fizéssemos contato com os bombeiros e com familiares. Se ao menos alguém pudesse dizer o quanto faltava para chegar a cachoeira do elefante ou se tinha jeito de chegar né, se eu tivesse a informação da altitude saberia o quanto faltava. Mas nada.
A LIÇÃO: NÃO SE EMBRENHE SEM PREPARO. atalho, deixa pros experientes ou para quem conheça bem a região.

O jeito foi preparar as folhas, achar um canto pra dormir, sem barraca, sem cobertor,sem lanterna, com frio e previsão de chuva. ( nossa sorte foi que erraram na previsão).

Minha roupa estava úmida, ainda do banho que tomei. Se escureceu e não secou não ia secar mais, a tendencia era diminuir a temperatura, mais e mais.

Às 18:30 uma viatura da PM apareceu no mirante confirmou a ocorrência e às 19 horas os Bombeiros estavam por lá. Com uma lanterna bem forte nos localizou devido a descrições do local que o Felipe falou pelo celular, mas já era tarde, eles disseram que estávamos muto longe e ainda tentaram fazer o resgaste mas não tinha acesso, a não ser por difíceis escaladas, e outra, os bombeiros nem a defesa civil tem autorização para fazer buscas a noite, realmente não dava... de dia já tava perigoso!

A orientação foi a de dormimos por lá mesmo...que enrascada, lembrei do momento que li o relato que dizia da existência desse atalho, atalho esse que ficava antes de um desmoronamento, e quando eu olhei no mapa realmente dava na cachoeira em uma pernada mais curta. Poxa, se existia atalho não era aquele. foi muita maluquice, o preço foi salgado mas poderia ser mais caro.

Raramente eu levava roupas reservas para as trilhas, voltava mulambão mesmo no trem, mas nesse dia eu levei uma blusa reserva, uma bermuda e um par de meias. As meias viraram luvas,  a berma cobri a cabeça e fiquei com duas blusas, assim, só a calça que tava úmida. O Felipe utilizou umas técnicas lá, e arranjou folhas espalhadas por dentro da roupa para melhor aquecer e deu certo, porem não foi suficiente para nenhum dos dois, parecia que não dava pra dormir nem meia hora direto. A hora não passava, o jeito era esquecer que existia tempo... até cair na real que estava na mata...

Ao amanhecer fazia muito frio, o vento gelado não deu trégua, a cachoeira do nosso lado monstruosa, não parou também. Ficamos sabendo que se descêssemos de 15 a 30 minutos encontraríamos um grupo praticando rapel ao lado de uma cachoeira. Pra chegar até lá foi muito difícil, escorregar o barranco no meio da mata fez-se necessário, sorte que passei apenas por algumas formigas, mas poderia ter encontrado coisas piores.

Com aquele semblante de debilitados aos encontrar pessoas com quem pudêssemos nos orientar para ir embora ficamos alegres. O pessoal já sabia nosso nome, pois os bombeiros havia avisado que estávamos perdidos. Infelizmente não captei o nome do grupo deles, parece que era Desbravadores de Cristo, mas procurei algo na net e não achei, eles foram super legais e nos ajudou bastante, tanto na pratica como no psicológico. O jeito menos difícil de descer os mais de 40 metros era através de rapel. "Rapel?" Pensei que ia ser tranquilo, afinal, não tenho medo de altura e gosto de aventuras, mas não.

Quando coloquei o cinto, ouvi as orientações e fiquei de costas com a perna esticada, me senti inseguro. Passou um filme na minha cabeça rsrs desde quando nasci, aí eu pensei: "vou morrer? Tão novo!" risos. Risos agora, mas na hora voltei atras e falei que não conseguiria. Tirei o cinto e estava disposto a esperar o ultimo que ia voltar com o equipamento através de uma perigosa escalada. O pessoal muito prestativo ainda insistiu e me convenceu que o rapel era seguro que o pior já tinha passado. Coloquei o cinto novamente e advinha?... desisti de novo. Aí o Felipe decidiu ir, e foi na primeira. Lá embaixo ele teve contato com os bombeiros que estavam a espera, que por questão de honra não sairiam de lá sem os aventureiros.

Apos uns 15 minutos eu desci, ainda tentei desistir no meio do caminho e o instrutor falou que já era, não tinha mais jeito, era descer ou descer. Minha perna dobrou, me desequilibrei e bati o joelho na rocha, mas foi tranquilo e foi a hora que olhei para o lado uma puta queda d'água, caralho, era  a cachoeira do elefante, muito louco aquela visão, mas foi breve, a descida continuava, e depois que peguei o jeito foi suave.

Gostaria de agradecer os Bombeiros, a Defesa Civil e todo o serviço do 193 e 199, mutuo, pela ajuda, informações e resgaste. A empatia deles foi muito importante, pois pra maioria das pessoas que vão trilhar ter que chamar ajuda é uma puta derrota, entretanto, para sobreviver se fez necessário, independente de despreparo e culpabilidade.

Os agentes da Defesa Civil nos levou até Bertioga, nos ofereceu suporte e ajuda financeira para voltar, nós não precisamos, mas vale enfatizar que foi de uma cordialidade rara. Obrigado!

E até a próxima!!!

Amplexos.

Fotos e Videos:





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